Geopolítica do fim do mundo: terras raras em Penco, Chile
Por Paz Peña e Cecilia Ananías. Penco, CHILE.
Instituto Latinoamericano de Terraformação
Ilustrações: Giovanna Joo
MINERAL
Tudo o que começa como tragédia termina como oportunidade de negócios.
No início de 2025, o canal de notícias estadunidense CNBC estampou a manchete “O degelo da Groenlândia está abrindo caminho para uma ‘corrida do ouro’ mineral”. A nota informava que o recuo do gelo na enorme ilha entre os oceanos Ártico e Atlântico Norte, provocado pela crise climática e ecológica produzida pelos países industrializados durante os séculos XIX e XX, deu lugar a um milagre: descobriu-se um tesouro de minerais críticos, urgentemente necessários para alcançar uma transição ecológica para as energias renováveis (energias altamente dependentes de minerais e metais). O boom minerador com que demos as boas-vindas ao século XXI – provavelmente uma das indústrias com impactos socioambientais mais perniciosos – nos tornará “verdes”.
Entre o tesouro de minerais descoberto pelo degelo estão as terras raras. Elas são um conjunto de 17 elementos químicos considerados minerais críticos para pelo menos três motores econômicos do século XXI que estão interligados: o hardware que impulsiona a indústria digital, incluindo a inteligência artificial (IA); a indústria militar moderna que hoje se beneficia dos avanços digitais; e a energia renovável, que é fundamental não apenas para a transição energética de nossas economias, mas também para satisfazer a enorme demanda energética da IA.
O problema não é que as terras raras sejam escassas, como se poderia deduzir do seu nome. O cerne da questão é que a China, o maior inimigo do Ocidente e, particularmente, o maior concorrente dos Estados Unidos (EUA) na disputa pela hegemonia econômica, é responsável por 70% da produção mundial. A China é seguida de longe pelos EUA (14%) e Austrália (4%) (USGS, 2023). A China também detém uma parcela majoritária do processamento mundial de terras raras (aproximadamente 85%), sendo superada somente pela Malásia e pela Estônia (Agência Internacional de Energia, 2022). A China é também o maior consumidor (aproximadamente 150 mil toneladas de consumo aparente em 2020), seguida pelo Japão, pelos EUA e pela União Europeia (UE).
Nesse cenário, o presidente dos EUA, Donald Trump, reiterou seu desejo de anexar a Groenlândia: “São minerais críticos, trata-se de recursos naturais”, afirmou o conselheiro de segurança nacional de Trump, Mike Waltz. Trump não parou por aí: “Eu disse [à Ucrânia] que quero o equivalente a cerca de US$ 500 bilhões em terras raras, e eles basicamente concordaram em fazer isso”, revelou. Trump considera que esses minerais devem ser trocados pelo apoio contínuo dos EUA à Ucrânia na guerra contra a Rússia. Aliás, a UE, talvez de forma menos extravagante, mas igualmente urgente, busca freneticamente diversificar seus fornecedores de terras raras.
Nessa corrida, não aparecem apenas atores improváveis como a Groenlândia, mas também a cidade portuária de Penco, com menos de 50 mil habitantes, localizada na região do Biobío, no início do sul do Chile. A localidade foi palco da histórica resistência mapuche contra a conquista espanhola e é um dos centros industriais mais importantes do Sul do país no século XX. Hoje, com uma economia em declínio, se dedica fortemente à indústria extrativista do monocultivo florestal.
Há mais de 10 anos, a companhia Aclara Resources (do grupo britânico Hochschild) tenta desenvolver o que chama de Módulo Penco, um projeto de mineração para extrair terras raras que despertou o interesse de empresas automotivas como Tesla, Nissan e Toyota. As perspectivas do projeto estimulam o apetite da classe política chilena, que vê as terras raras como uma oportunidade econômica imbatível para o país.
Mas esse entusiasmo está longe de ser o sentimento dos habitantes de Penco. Em fevereiro de 2022, as organizações cidadãs locais realizaram uma consulta pública sobre o projeto da Aclara Resources. O resultado foi esmagador: 99% dos votos rejeitaram o projeto de mineração de terras raras, com uma participação histórica de mais de 7.400 pessoas.

A vontade dos moradores da região não foi suficiente: em 2025, a ideia de extrair terras raras em Penco continua mais viva do que nunca.
Turbina, bateria, míssil
Juntamente com o lítio, o cobre e o cobalto e outros elementos, as terras raras são fundamentais para as energias renováveis e, por conseguinte, para alcançar a urgente transição energética que permita mitigar o aquecimento da atmosfera e deixar finalmente os combustíveis fósseis enterrados no solo. A Agência Internacional de Energias Renováveis definiu os minerais críticos como aqueles essenciais para as tecnologias de transição energética. Além disso, eles possuem uma ou mais das seguintes características: são produzidos em um número limitado de países, enfrentam desafios importantes de extração ou sofrem um declínio na qualidade. Embora a lista de minerais críticos varie de acordo o período de tempo e metodologia de análise, destacam-se o cobalto, o níquel, o cobre, o lítio e os elementos de terras raras, em especial o neodímio e o disprósio. Entre as terras raras, o praseodímio, o neodímio, o térbio e o disprósio são essenciais para a produção de ímanes permanentes, que são vitais para turbinas eólicas e motores de veículos elétricos (a indústria automotiva é talvez a mais interessada em diversificar as fontes de terras raras). Calcula-se que 91% do valor total do mercado mundial de terras raras se deve à demanda entusiasmada por tecnologias de energia renovável.
Igualmente relevante é o papel das terras raras para a indústria digital. Devido às suas propriedades físicas e químicas incomuns, como suas características magnéticas e ópticas únicas, as terras raras são usadas para uma série de elementos característicos da digitalização, como telas planas, iluminação LED, lentes de câmeras digitais e discos rígidos, entre outros. E mais: as terras raras são componentes cruciais dos semicondutores que fornecem a potência de computação que impulsiona a Inteligência Artificial e seus centros de dados. Elas possuem qualidades magnéticas excepcionalmente potentes e são excelentes para conduzir eletricidade e resistir ao calor, o que as torna ideais para unidades de processamento gráfico (GPU), circuitos integrados de aplicações específicas (ASIC) e matrizes de portas programáveis em campo (FPGA). Também não se pode ignorar a necessidade de energia renovável por parte da IA, que é uma das principais consumidoras de energia no mundo.
Além disso, em um mundo cada vez mais digitalizado, parte importante da demanda por terras raras vem da indústria militar, que agora se baseia em novas tecnologias e continua a determinar o poder geopolítico do planeta. Por exemplo, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos utiliza terras raras para diversos fins em seu arsenal: em radares, munições guiadas de precisão, lasers, satélites e equipamentos, incluindo óculos de visão noturna. Como esses materiais podem armazenar grandes quantidades de energia magnética, os ímãs que utilizam esses elementos são empregados em mísseis Tomahawk, veículos aéreos não tripulados Predator e na série de bombas inteligentes JDAM (Joint Direct Attack Munition). O caça de quinta geração F-35 requer mais de 400 quilos de elementos de terras raras; um contratorpedeiro Arleigh Burke DDG-51 requer 2.350 kg; e um submarino da classe Virginia precisa de 4.175 kg. Ou seja, quanto mais modernos e tecnologicamente sofisticados se tornam os equipamentos militares, mais aplicações das terras raras as forças armadas vão requerer.
Em outras palavras, disputar a produção de terras raras, tão fundamentais para os motores industriais do século XXI, transforma-se em questão de sobrevivência e afirmação de domínio geopolítico para todo o Ocidente, mas, especialmente para os EUA. Ainda mais quando a China, em resposta à guerra tarifária, decidiu restringir a exportação de algumas terras raras – o que põe em xeque a indústria militar e tecnológica americana.
Mas o Chile não é a Groenlândia. Não haveria desejo de anexação por parte dos EUA, embora economistas norte-americanos alertem o Chile que, com Trump, nunca se sabe o que pode acontecer. No que diz respeito à negociação de minerais críticos, dizem esses economistas, poderá haver “exigências adicionais irracionais”. No entanto, nenhum argumento parece minar o otimismo do establishment político e econômico no Chile. Os thinktanks do neoliberalismo pinochetista mais ferrenhos não parecem ter medo e classificam as terras raras como “a carta estratégica de negociação com os Estados Unidos” e “a nova riqueza do Chile”. No discurso oficial anual de 2024 de seu governo de esquerda, o presidente Gabriel Boric referiu-se à produção nacional de “cobre, lítio e outros minerais críticos para a transição energética”: “O Chile pode ser um líder global na resposta às mudanças climáticas e na transição para uma economia verde. Não podemos deixar passar esta oportunidade”.É preciso reconhecer um fato: a transição energética depende da mineração intensiva e dependerá pelo menos durante os próximos 15 anos, até que processos políticos e práticos estejam atualizados e haja tecnologia suficiente para permitir a implantação de melhores ciclos de reciclagem desses minerais. Até lá, o debate urgente deve ser como implementar princípios de justiça socioambiental – em nível nacional, mas também internacional – nos territórios que hoje vêm em socorro do planeta por meio desses ciclos de mineração intensiva. Isso vale especialmente para países estáveis e democráticos como o Chile, onde existe uma tradição de institucionalidade que deve ser colocada a serviço das comunidades.
A justiça socioambiental é um tema amplamente discutido nas comunidades que enfrentam projetos de mineração intensiva apresentados como a chave para a transição climática. Elas buscam problematizar um fato fundamental: as comunidades que não criaram a crise climática são hoje as que devem sacrificar seus territórios, suas atividades econômicas e culturais, sua saúde e as espécies não humanas de seu habitat para que o ciclo intensivo do capitalismo continue seu curso. Assim, conceitos como “extrativismo verde” chamam a atenção para as formas como as comunidades marginalizadas, de baixa renda e minoritárias, suportam de maneira desproporcional os encargos sociais, ambientais e econômicos da transição energética, assim como fizeram na era dos combustíveis fósseis.
Mas, em vez de promover um diálogo político sério com essas comunidades – que inclua os desafios ecológicos, sociais e econômicos, e princípios de justiça social, para que o conflito não coloque em risco a transição energética – o que predomina, de forma preocupante, são pressões econômicas e geopolíticas para que se continue com a lógica do extrativismo puro e duro. Ou seja, pressões por flexibilização das licenças ambientais ou, diretamente, por tolerância frente à mineração ilegal. Isto alimenta a fragilidade institucional dos países produtores.
O que é sustentabilidade em terras raras?
Em 2011, a mineradora Biolantánidos, do conglomerado chileno Larraín Vial, já havia iniciado atividades de prospecção e preparação da extração de terras raras na costa da província de Concepción. Em julho de 2016, a empresa apresentou uma DIA (Declaração de Impacto Ambiental) que foi rejeitada em agosto daquele ano, pois esse instrumento não permitia descartar que sua atividade mineradora gerasse efeitos adversos significativos sobre a qualidade química do solo e da água superficial ou subterrânea: eles deveriam apresentar um relatório muito mais completo, um Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
Desde o primeiro EIA apresentado pela empresa em 2018, incluindo várias mudanças de proprietários no projeto, hoje nas mãos da mineradora Aclara Resources, foram apresentados cinco EIA, todos rejeitados pela autoridade ambiental. Até a data deste relatório, um novo EIA apresentado em 2024 pela empresa estava em apreciação. A partir deste último, eles afirmam que o projeto que está hoje em discussão torna-se totalmente sustentável. Em Penco, a confiança está abalada e poucos acreditam nesse discurso verde.
Como em todas as minas de terras raras, um dos elementos mais controversos são suas importantes consequências socioambientais. As terras raras são extraídas através da escavação de enormes poços a céu aberto, o que pode contaminar o meio ambiente e alterar os ecossistemas. Quando a mineração é mal regulamentada, pode gerar lagoas de águas residuais cheias de ácidos, metais pesados e material radioativo, que podem se infiltrar nas águas subterrâneas. O processamento do mineral bruto, para convertê-lo em uma forma útil para a fabricação de ímãs e outros produtos tecnológicos, é longo que requer grandes quantidades de água e produtos químicos potencialmente tóxicos, além de gerar resíduos volumosos.
Separar os elementos produz novos problemas ambientais. Os elementos de terras raras são muito semelhantes quimicamente, o que significa que tendem a se aglutinar; para separá-los, é necessário realizar várias etapas sequenciais e usar uma variedade de solventes poderosos que os separam um por um. O hidróxido de sódio cáustico faz com que o cério se separe da mistura, por exemplo. Para cada tonelada de terra rara produzida, o processo de extração produz um total de 13 kg de pó, entre 9.600 e 12.000 m³ de gases residuais, 75 m³ de águas residuais e uma tonelada de resíduos radioativos. Isso ocorre porque os minerais de terras raras contêm metais que, quando misturados com os produtos químicos nos tanques de lixiviação, contaminam o ar, a água e o solo.
Além da preocupação com os metais pesados e outros materiais tóxicos presentes nos resíduos, persistem os temores sobre os possíveis efeitos da radioatividade na saúde humana, que têm chamado a atenção internacional. Em 2019, eclodiram protestos na Malásia pelo que os ativistas chamaram de “uma montanha de resíduos tóxicos”, cerca de 1,5 milhão de toneladas métricas, produzidas por uma planta de separação de terras raras perto da cidade de Kuantan. A usina é propriedade da Lynas, que envia seu minério de terras raras do Monte Weld, na Austrália, para o local. Para dissolver as terras raras, o minério é cozido com ácido sulfúrico e depois diluído com água. Os resíduos restantes podem conter traços de tório radioativo.
O problema, de acordo com pesquisadores, é que ainda há poucas evidências epidemiológicas do impacto da mineração de terras raras na saúde humana e no meio ambiente, e grande parte dessas evidências está relacionada à toxicidade de metais pesados como o arsênico. Também não está claro até que ponto as preocupações com os resíduos radioativos são cientificamente comprovadas, devido à baixa concentração de elementos radioativos nas terras raras extraídas.
Nesse contexto, há um esforço científico — muitas vezes impulsionado pelas próprias mineradoras — para mitigar esses impactos. Por exemplo, extrair esses elementos usando bactérias, em vez de produtos químicos tóxicos, para separar os metais, ou extraí-los das cinzas de carvão em vez de minerais. Todos esses projetos ainda requerem desenvolvimento; ainda não se sabe se podem ser uma alternativa viável frente ao enorme nível de demanda. Embora haja grandes expectativas em relação à reciclagem de terras raras, esta continua a ser uma fonte marginal (menos de 1%). Ainda existem vários obstáculos para isso, como a baixa concentração de produtos finais e a dificuldade inerente em separar os elementos uns dos outros. A reciclagem também está longe de ser uma indústria limpa, pois requer grandes quantidades de energia e gera resíduos perigosos.
Agora, em plena disputa geopolítica, para se diferenciar no mercado de terras raras, os produtores têm três requisitos: ter produção fora da China; ter a produção rastreável (ou seja, que não provenha de mineração ilegal); e, devido ao seu alto grau de periculosidade, que a mineração de terras raras seja ambientalmente responsável. A Aclara Resources afirma que o Módulo Penco tem tudo isso. Ao contrário do que ocorre na China ou em Mianmar, ele se baseia em argilas iônicas que, de acordo com a empresa, permitem extrair as terras raras de maneira muito limpa e simples, com 95% de reciclagem da água e 99% do fertilizante utilizado, sem gerar resíduos líquidos e, acima de tudo, sem radioatividade. Fora do Chile, só foram encontradas argilas iônicas no Brasil, Austrália, África do Sul e Uganda.
No entanto, é difícil encontrar referências sobre isso na mídia, que citem fontes diferentes das mineradoras. Existem poucos estudos científicos sobre a sustentabilidade das argilas iônicas. Entre eles, dois foram publicados em revistas científicas de prestígio que parecem fazer referência ao caso de Penco. Os papers afirmam que as argilas iônicas apresentam várias vantagens, como baixos custos de extração e pré-tratamento, baixo consumo de reagentes e energia, baixos riscos ambientais e de segurança, baixa co-extração de materiais radioativos perigosos e alta recuperação de terras raras pesadas valiosas. Há também registros dos avanços tecnológicos para tornar o processo de extração dessas argilas iônicas menos poluente. No entanto, esses estudos são liderados pela professora do Departamento de Engenharia Química da Universidade de Toronto Gisele Azimi, que também é diretora da mineradora Aclara. Um conflito de interesses que pode ser determinante.
As consequências socioambientais vão além do processo de extração e processamento em si. No fim de 2023, o Institute for Policy Studies publicou o texto “Mapeamento do impacto e dos conflitos dos elementos de terras raras”. Entre muitos elementos comuns às minas de terras raras no mundo, o estudo identificou: violência, criminalização, abusos dos direitos humanos, com falta de reconhecimento dos direitos das comunidades, de seus meios de subsistência e de suas cosmovisões, bem como outras formas de violência, como ameaças diretas, intimidação e acusações falsas contra defensores do meio ambiente. Além disso, muitos dos projetos de mineração de terras raras são desenvolvidos em áreas protegidas reconhecidas por lei ou pontos críticos de biodiversidade. Foram documentados casos em que minas atuais e propostas operam ou viriam a operar em territórios indígenas, colocando em risco locais sagrados, bem como outras áreas culturalmente importantes. Há, ademais, uma falta transversal de informação e consulta pública às comunidades sobre esses projetos. Por exemplo, nos casos documentados por aquele instituto, as empresas forneceram pouca ou nenhuma informação, impediram a participação significativa da comunidade e, no caso das comunidades indígenas, violaram seus direitos ao consentimento livre, prévio e informado.
É neste contexto que se move a resistência da comunidade de Penco.

Mineração no quintal de sua casa
“Quando me contaram que o projeto de mineração de terras raras estava perto de Penco, minha mente imaginou um par de colinas mais distantes. Fui muito otimista: quando subi para caminhar até a propriedade que seria afetada pelo projeto de mineração, não levei mais de 10 minutos a pé desde a Praça de Armas da cidade. Comecei a caminhada com um café na mão e, quando chegamos à entrada, não tinha tomado mais do que três goles; mal tínhamos percorrido cinco quarteirões cheios de casinhas.
“Lembro-me de estar parada no meio da terra úmida, avermelhada, tão argilosa e mineral, contemplando impressionada: à minha direita estava a entrada do Fundo Coihueco (onde fica o Módulo Penco), as enormes pernas de concreto da estrada de Itata (que passa por cima de nós) e um mural que reclamava “Penco sem mineradora”; enquanto à minha esquerda havia uma escola – cheia de desenhos de crianças – e um pequeno serviço de urgências de saúde primária.
“A Aclara Resources ficaria muito perto da cidade de Penco, mesmo com as modificações em seu plano. E então compreendi a urgência dos pencones e penconas em resistir a este projeto.”


Nem tão verde nem tão simples
“A empresa Aclara tem práticas bastante questionáveis, porque não é transparente nas informações sobre todos os danos e consequências que trará para o território e disfarça seu projeto como sustentável”, afirma enfaticamente Camila Arriagada, da organização local Keule Resiste.
A Aclara Resources define o Projeto Penco de várias maneiras em seu site: como uma iniciativa sustentável; como uma fonte limpa, rastreável e independente de terras raras; como um projeto de terras raras limpas. Mas nunca se refere a si mesma como uma mineradora. Nem mesmo fala em extração, mas sim em “colher circularmente” os minerais. A empresa, listada na Bolsa de Toronto e com o Grupo Hochschild como principal acionista, muda constantemente de nome, sociedades e estratégia, mas, em essência, é sempre a mesma: REE Uno Spa (Rare Earth Extraction UNO).
A ex-conselheira regional e ativista da Keule Resiste sabe de cor o discurso de que a mineradora trará mais empregos, embora o número de vagas diretas que geraria também não seja muito alto: 300 a 500 empregos temporários durante a construção e 200 empregos diretos permanentes, de acordo com a última Declaração de Impacto Ambiental. Arriagada aprofunda: “O que mais querem é criar empregos, que vão gerar novas fontes de trabalho, e por isso fazem cursos de capacitação para os vizinhos. Mas vemos que isso não compensa os danos que vai causar à economia local. O polo gastronômico e turístico do Barrio Chino de Lirquén, o novo polo gastronômico que está se formando em Playa Negra e até mesmo a Câmara de Comércio de Penco são contra este projeto, devido aos impactos que ele terá em nosso município”.
Para Arriagada, uma empresa de mineração não vai acabar com o desemprego e pode até trazer novos problemas. “Pela experiência no Norte, sabemos que as mineradoras enfraquecem o tecido social e trazem problemas como o vício em drogas e a prostituição”, acrescenta.
Javiera Rodríguez, socióloga da Fundação Pongo, compartilha uma visão semelhante: “Isso ocorre porque as atividades mineradoras trazem consigo cidades-dormitório, aonde chegam muitos homens. Já temos um porto [o de Talcahuano] cheio de drogas e cassinos, que vulneram a infância. Mas com a mineração chegam uma série de outros negócios patriarcais”. E acrescenta: “É tremendo o Golias que estamos enfrentando. E eles não têm os mesmos modos de operar que uma empresa florestal ou uma represa: chegam aos territórios vendo as vulnerabilidades das pessoas, construindo um imaginário social de que as pessoas precisam desse trabalho”.
Para as organizações consultadas, os impactos que essa mineradora poderia provocar na zona são amplos e diversos. A primeira preocupação é com a proximidade entre o Módulo e a cidade, incluindo escolas, centros de saúde e moradias: “Há a particularidade de serem morros e estarem muito próximos de áreas populosas. Fica entre um e dois quilômetros da população mais próxima”, ressalta Dámaso Saavedra, que fez parte da Fundação Keule, organização que se dedicava ao estudo e à defesa dessa árvore e que hoje está em pausa. “Não tenho nada contra as empresas, também tenho a minha própria e pude dialogar com os diretores da mineradora. O problema é que eles não ouvem as pessoas, não veem que se dará ao lado de espécies ameaçadas e muito perto da zona urbana. Nunca houve uma experiência desse tipo e é por isso que gera inquietação”, acrescenta Saavedra, que é engenheiro florestal e participou de uma série de avaliações realizando observações técnicas ao projeto.
Quando fala em espécies ameaçadas, o engenheiro se refere a três árvores nativas que sobrevivem nas colinas de Penco, apesar da indústria florestal que assola a zona: o naranjillo, o pitao e o queule. Este último é provavelmente o que necessita proteção mais urgente, por ser um fóssil vivo que sobrevive apenas na zona Centro-Sul chilena.
“O queule é uma árvore endêmica do Chile, declarada em perigo de extinção. É um monumento natural, em uma categoria semelhante à araucária. Esta espécie é muito importante e há poucos estudos aprofundados sobre o efeito que este projeto pode ter sobre ela”, explica Saavedra. Segundo o engenheiro, não se conhecem com exatidão detalhes que podem colocar em risco esta e outras espécies. “Por onde passam os caminhões? Qual é a distância dos pontos de tração em relação à árvore? Que mudanças isso causará no solo? O queule tende a crescer nessas argilas características que a mineradora quer mover e explorar. Por isso, não há apenas árvores a proteger, mas também o seu entorno”.
Embora a Aclara afirme que realizará o reflorestamento das árvores nativas afetadas, “ao falar em revegetação, não menciona que ninguém pode garantir a sobrevivência dessas espécies ou como vai compensar os danos causados às espécies já existentes”, diz Arriagada, da Keule Resiste. “É o caso do queule, que tem um crescimento muito lento; aqui em Penco há árvores muito altas e antigas e é difícil que possam devolver e reparar isso”, explica a ativista.


Ativistas e especialistas refutam também o argumento da empresa de que o projeto não terá impacto na água do território. “A Aclara afirma constantemente que seu projeto é sustentável, que tem um circuito fechado que permite reutilizar a água e que até mesmo vai usar águas residuais. Mas, uma vez que a empresa comece a fazer suas obras, ela vai precisar de outros tipos de água e a contaminação e intervenção no território vão impactar da mesma forma o rio Penco e outros cursos d'água do setor, incluindo lençóis freáticos e nascentes. Isso é preocupante porque a água de Penco é de qualidade excepcional”, explica Arriagada.
Por isso, mais do que falar de cada aspecto do ecossistema separadamente, é vital falar da bacia hidrográfica que seria afetada por este projeto. Débora Ramírez, professora, especialista em agroecologia e membro da Fundação Manzana Verde que tem estado profundamente envolvida no projeto Parque Para Penco, explica “A bacia hidrográfica é uma unidade geomorfológica, mas a forma mais fácil de explicar como funciona é compará-la com uma banheira. Se eu tenho uma banheira, jogo água na parte de cima, ela vai chegar ao centro e depois vai sair por um ralo; a água não vai subir nem sair para fora, sempre seguirá o mesmo caminho. Em Penco, as colinas funcionam como uma banheira e formam os caminhos da água, que levam seu curso até o mar. E é isso que buscamos proteger”.
Atualmente, a cidade de Penco depende do rio Bíobío e do sistema da cidade de Concepción para ter acesso à água, diz Ramírez. “Mas isso vai acabar em alguns anos e, quando isso acontecer, o município precisará de uma fonte de água, e o ideal é que seja o seu rio, que tem uma qualidade muito boa. Acontece que a mineradora quer se instalar na parte alta das colinas. Então, tudo o que escorrer de lá vai afetar a bacia hidrográfica e o rio que está abaixo. É um projeto que não é compatível com o abastecimento de água doce de Penco”, conclui. Para a professora, é aí que se rompe o diálogo entre comunidades e empresas: “A água vale mais do que qualquer outra coisa. Então, estão nos falando de um investimento com números mágicos, mas que não condiz com uma realidade concreta, que é deixar uma comunidade sem água”.

Aos impactos já mencionados, Ramírez acrescenta “a enorme quantidade de caminhões-pipa que vão entrar e sair, considerando que agora dizem que não vão usar a água do rio”. O projeto “recebeu observações técnicas porque eles dizem que vão sair cerca de 140 caminhões por hora do local”. Segundo a professora, não existe essa capacidade de carga na zona. “Além disso, haverá remoção constante de entulho, tráfego; o ruído seria um zumbido constante”.
A lista de problemas não termina. O setor geográfico que seria afetado é um espaço histórico para diversas atividades da população de Penco. Por esse motivo, querem dar-lhe o nome de parque, para proteger o território. “A Aclara diz que vai fechar o perímetro da barragem, onde queremos instalar o projeto do parque”, diz Ramírez. “E como é uma obra de mineração, as pessoas não poderão entrar porque é perigoso. Então, essa é outra situação que agrava o impacto, porque a população de Penco utiliza historicamente o local para passear, correr, nadar, organizar maratonas e passeios de bicicleta, além de ser um espaço de rogativas mapuche/lafkenche e de coleta de plantas medicinais. Portanto, não é apenas um impacto ambiental; também haveria um impacto humano severo”, detalha.
“De alguma forma, o Parque de Penco sempre existiu”, continua Ramírez, que também é coordenadora da área socio-comunitária da Manzana Verde. “Em um determinado momento, ele teve um aqueduto e um moinho; posteriormente, a empresa florestal manteve a vegetação nativa no setor para sustentar a produção de água do local; também foi uma área de acampamentos; habitacional, de trabalhadores que viviam dentro da propriedade; e um corredor histórico pelo qual as pessoas transitavam de Florida a Penco para vender e trocar seus produtos agrícolas. Portanto, é um espaço vivo na memória das pessoas”, conta.
O trabalho de mestrado de Ramírez consistiu em dar visibilidade a uma série de atividades que ocorriam na bacia do rio Penco, denominadas dinâmicas de reciprocidade. “Os povos originários falam muito sobre essas dinâmicas, que seriam o trafkintu, a troca que ocorre quando alguém se aproxima da planta e pede permissão para colher seu fruto, para colher o lawen – um remédio. E isso tem uma lógica muito básica: se eu destruo e maltrato, eventualmente a natureza não me dará nada”. Com essa abordagem, o trabalho de Débora conseguiu identificar 200 contribuições recíprocas que estavam sendo realizadas na bacia do rio Penco. “A maior parte provinha de práticas agroecológicas, sobretudo de avós que as haviam transmitido aos filhos, filhas e netos. Portanto, há uma sobrevivência da memória, gerando um tecido intergeracional que sustenta as formas de contribuições recíprocas com a natureza”, explica.
Criação de abelhas, monitoramento de águas e de macro invertebrados, reflorestamento, história local, hortas urbanas, saudação aos espíritos ancestrais, troca de sementes, coleta de plantas medicinais e frutos silvestres, defesa do território e educação ambiental fazem parte dessas dinâmicas, conforme sintetizam seus mapas. Tudo isso também estaria em risco de desaparecer para sempre com a urgência de vender terras raras para o exterior.

O que sobreviveu ao monocultivo
“Na trilha que cruzamos em grupo, me acompanha uma amiga natural de Iquique — uma cidade no deserto a mais de 2 mil quilômetros ao Norte de Penco —, que tem dificuldade em distinguir entre a vegetação nativa e o monocultivo florestal. O que para mim é evidentemente invasivo, para ela não é tanto. ‘O que é essa árvore verde azulada que está por toda parte?’, ‘São eucaliptos’, respondo, acrescentando: ‘Ficam assim quando estão brotando’. ‘E aquela outra árvore tão alta?’, ‘São pinheiros, também são usados para celulose’. Ela me olha um pouco confusa, porque isso significa que estamos cercadas e sitiadas por ambas as espécies. ‘Você tem que olhar para o que resiste nas margens dos rios’, explico.
“Sentamos na margem do rio Penco e eu mostro a ela: o fúcsia e o vermelho dos chilkos , brotando à beira da água, as folhas medicinais do matico, alguns canelos, várias casinhas de boldos, a altivez dos fetos nativos. Inúmeros polinizadores nativos cruzam nosso caminho e os guias da caminhada nos dizem seus nomes científicos .
“‘Antes, minha família morava aqui’, me conta uma mulher do grupo. ‘Eles viviam e cultivavam aqui, nas colinas. Até havia uma escolinha aqui em cima, porque naquela época a cidade ficava muito longe. Mas, durante a ditadura, os caras expulsaram todos... nos expulsaram para plantar florestas’, relata.
“A rota termina em uma das margens do rio. A equipe que lidera a caminhada pega um plástico amarelo, estende-o no meio do leito do rio e senta-se para observar os animais vertebrados e invertebrados que vão aparecendo. Eu molhava os pés em uma das margens, a água cristalina aliviando o calor soporífero do verão, quando ouvi gritos de surpresa: em questão de minutos, encontraram um caranguejo-tigre. Uma espécie nativa da Grande Concepción que está em um estado de conservação tão vulnerável que até se acreditava extinta. Mas lá estava ele, aquele pequeno caranguejo, lembrando que a natureza ainda sobrevive naquelas colinas e que qualquer projeto que altere ainda mais a bacia hidrográfica a coloca em profundo perigo.”


Quem se cansa, perde
A comunidade de Penco e seus ativistas já reconhecem uma série de estratégias pelas quais a mineradora busca se instalar na área. “Estamos nisso há dez anos, mas pode continuar indefinidamente. E o que as empresas também estão esperando: que a gente se canse, que as pessoas se cansem. Por isso, eles voltam a apresentar os projetos e veem se continuamos tão fortes quanto antes”, conta Javiera Rodríguez, com uma voz que denota exaustão. Ela acredita que, se Penco resistiu, é porque a luta é composta por muitos. “Isso é muito importante, porque quando há apenas uma pessoa, é mais fácil chegar até ela e corrompê-la”, afirma.
A empresa pressiona se camuflando de várias formas, incluindo constantes mudanças de nome: agora é Aclara, mas antes se chamava Biolantánidos e também Hochschild e Módulo Penco. Mas todos são nomes da Rare Earth Extraction UNO ou REE UNO, por sua sigla. “A empresa, em várias ocasiões, manipulou e distorceu informações. Eles têm estratégias como ir às escolas para fazer workshops de robótica, brincando com a ilusão das crianças e de seus pais; e digo 'ilusão' porque eles não entregam nenhum robô. Chegaram até a procurar artesão conhecido na região e oferecer a ela a função de monitor para coordenar oficinas nos próprios escritórios da empresa, aproveitando-se de que ele estava precisando de dinheiro. E também ofereceram dinheiro a outras pessoas. Eles procuram essas carências”, detalha Ramírez.
Hoje, a estratégia da empresa é parcelar, dividir o projeto procurando áreas de menor impacto: “Procuraram uma seção que estivesse fora das áreas com queule e pitao, que são espécies nativas cujo corte é proibido. Embora a área atual tenha exemplares de naranjillo, que é uma espécie com problemas de conservação, a Lei de Florestas Nativas permite intervir nesses exemplares. Ou seja, a mineradora procurou uma área de menor valor ambiental, entre aspas, para iniciar o projeto”, explica o engenheiro Dámaso Saavedra.
Saavedra e Camila Arriagada concordam que isso seria apenas o começo: “Já não são mais seis zonas de extração e disposição da mineradora, mas menos. Isso faz parecer que o impacto no território é menor, mas entendemos que isso seria apenas a primeira parte. Quando usavam o nome Módulo Penco, interpretamos que depois haveria um Módulo Santa Juana, um Módulo Tomé: que isso seria uma empresa em expansão por toda a região do Biobío, onde eles têm muitos estudos e prospecções minerais”, detalha a ativista.
A comunidade de Penco resiste com suas próprias estratégias. Por exemplo, tentaram responder à iniciativa da empresa chamada Casa Abierta Aclara, um espaço físico na cidade onde organizam atividades pró-mineração de terras raras. Como conta Ramírez, “eu disse ‘bom, vamos fazer nossa própria casa aberta’. Fizemos a nossa, com degustação de sabores locais, colhendo cogumelos, e o processo foi muito bonito. E com a ajuda de um contingente de estudantes em estágio, montamos toda essa exposição com mapas e cartazes com informações importantes”.
Da mesma forma que a Aclara utilizou os mapas de árvores nativas para propor seu projeto na zona de menor impacto ambiental, eles utilizaram. “Nós usamos tudo o que a Aclara nos fornece. É informação pública que pode ser solicitada através da Transparência. Solicitamos informações geográficas, fiscalizamos e utilizamos para fortalecer nosso projeto. Já descobrimos que eles declaram árvores que não estão onde dizem, então confirmamos”, acrescenta a profissional da Manzana Verde.
Javiera Rodríguez participou de uma série de assembleias territoriais e relata: “Diversas atividades foram realizadas ao longo dos dez anos em que a mineradora vem tentando se instalar. Atualmente, estamos no processo de ‘observações cidadãs’ e o proprietário da empresa está trabalhando para responder a essas observações. Paralelamente, foi feito um pedido de consulta indígena”. Embora o projeto Módulo Penco esteja há anos tentando se instalar no território, só em junho de 2024 foi iniciado o processo de consulta indígena. A consulta é vital para o futuro. No Chile é um direito dos povos indígenas e um dever do Estado que provém da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“A associação indígena Koñintu Lafken Mapu também tem sido fundamental como ator relevante no território, diz Javiera. “Eu a menciono assim porque, nesses territórios, as comunidades indígenas foram despojadas de suas terras, por isso formam redes urbanas e associações”. Apesar dessa expropriação, os povos originários utilizam áreas como o tranque de Penco para suas cerimônias e para coletar plantas medicinais, pelo que seriam diretamente afetados pelo projeto, tal como assinalaram no início da consulta. De fato, em julho de 2025, o Serviço de Avaliação Ambiental (SEA) do Biobío decidiu ampliar o processo de consulta indígena sobre o projeto de terras raras que está levando adiante, após terem sido identificados “impactos ambientais significativos” do projeto de mineração.
Rodríguez informa que se realizam diversas atividades relacionadas à conscientização sobre o que é a mineração de terras raras. “Queremos que reconheçam este tipo de extrativismo que se quer instalar na região, porque Penco é apenas o ponto de partida. Eles têm concessões mineradoras desde Itata até além de Santa Juana e daqui, da costa de Penco, até além de Tucapel. A ideia é entrelaçar esta resistência para também poder enfrentar não apenas a mineradora”, pontua. A partir de uma assembleia territorial mista, surgiu a ideia do Parque Para Penco, que busca unir as pessoas e aproximá-las do território onde se encontra a barragem. “Como o conceito do Parque de Penco é antigo, podemos reconhecer que hoje é uma campanha mobilizadora. Permite-nos nomear o que estava acontecendo, dar-lhe um lugar e uma valorização”, explica Ramírez.

Pode-se dizer que a última batalha está sendo travada precisamente no campo da linguagem, das palavras. Para começar, todos os entrevistados não falam do estero Penco, mas do rio Penco, e isso não é por acaso. “Existem estudos que demonstram que a comunidade protege mais um afluente de água se ele for chamado de rio, em vez de estero. E não há problema em mudar, porque no Chile não há um critério real: temos rios como o Loa, que são gigantes em extensão e quase não têm vazão, e temos o chamado estero Penco, que leva muito mais água. Por isso, para valorizá-lo, o chamamos de Rio Penco”, explica Ramírez.
Infelizmente, outra das estratégias da mineradora é silenciar: em fevereiro, o representante legal da mineradora entrou com uma ação de proteção contra dois moradores de Penco, acusando-os de administrar uma conta nas redes sociais a partir da qual os litigantes “foram vítimas de diversos ataques de terceiros destinados a difamar e afetar a reputação e o bom nome da ACLARA”.
Em sua ação judicial, a empresa mineradora faz referência às contas do Instagram e do Facebook da organização Keule Resiste, exigindo, entre outras coisas, a exclusão de “todo o conteúdo publicado em desacreditação da Aclara e das diversas pessoas individualizadas anteriormente injustamente mencionadas”. Além disso, demanda que os moradores identificados, Camila Arriagada e Arnoldo Cárcamo, “se abstenham, doravante, de realizar publicações que desacreditem a Aclara em qualquer outra conta de qualquer rede social”. O advogado defensor dos ativistas, Cristián Urrutia, considera tratar-se de um mecanismo de intimidação e censura que viola a própria Constituição do Chile e uma série de tratados internacionais.
As ações chegaram até a Suprema Corte, que, em junho de 2025, finalmente revogou uma decisão da Corte de Apelações de Concepción que havia decidido a favor da empresa, exigindo que os acusados removessem suas publicações. Uma das pessoas perseguidas pela empresa, Camila Arriagada, considerou positiva a decisão de revogar a sentença “para deixar claro que a empresa mineradora Aclara está errada e tem práticas inadequadas com a comunidade de Penco ao processar judicialmente pessoas com vozes críticas a este projeto de mineração”.

Apenas seis naranjillos assassinos
O governo do presidente Gabriel Boric reconheceu a importância das terras raras para a economia verde, desde que cumpram os padrões de proteção hídrica, biodiversidade e redução de emissões, alinhados com a política de justiça ambiental do governo de esquerda. No entanto, embora até a data deste relato o Serviço de Avaliação Ambiental (SEA) ainda não se tenha pronunciado sobre o projeto da Aclara em Penco, o Ministério da Economia incluiu esta empresa no chamado “Plano de Fortalecimento Industrial do Biobío”. Este último visa gerar uma carteira de projetos que devem ser acelerados após o processo de fechamento da siderúrgica Huachipato, cujo proprietário, o Grupo CAP, também possui ações na Aclara.
Em recente entrevista, o gerente-geral da Aclara, Nelson Donoso Navarrete, afirmou estar otimista com o tema: “Estamos super alinhados com o governo atual, com a comunidade, com o governo regional. Temos um projeto que, em termos ambientais, tem enormes vantagens e está alinhado com as necessidades de geração de emprego. Portanto, estamos extremamente otimistas de que nosso projeto será aprovado pelo governo do presidente Boric”.
Além de criticar a demora institucional nos temas ambientais, a entrevista do executivo mostra como a mineradora está disposta a usar em seu favor um dos temas mais sensíveis da história do Chile: a relação conflituosa do Estado chileno com as comunidades mapuches em áreas indígenas como Penco. Donoso afirma que, onde as empresas e o Estado não chegam, “é onde aparece o pior da sociedade” e “o narcotráfico e o terrorismo tomam o controle das comunidades”.
Enquanto isso, no centro de Santiago, em plena guerra tarifária, o ex-presidente do Chile (1994-2000) Eduardo Frei Ruíz-Tagle, intervinha no Primeiro Congresso Nacional de Infraestrutura da Câmara Chilena da Construção (CChC) provocando discussão ao perguntar ao público:
Vocês já ouviram falar em naranjillo? Há poucos dias, li sobre isso na imprensa, perguntei e fiz pesquisas com especialistas nacionais e internacionais [...] saiu no jornal que esse projeto de terras raras na região do Biobío, que vem sendo discutido há anos e que atraiu investidores estrangeiros de todo o mundo, havia sido paralisado. Porque o Serviço de Avaliação Ambiental (SEA) disse que havia seis naranjillos naquela zona e, portanto, o projeto havia sido parado
Frei referiu-se ao adiantamento do projeto de Penco para 2023, devido ao fato de não ter considerado os espécimes de naranjillo, como exige a legislação ambiental e florestal. O ex-presidente acrescentou ainda que “as terras raras não são um capricho, são uma aspiração do país. E aí estão os elementos que farão parte da tecnologia do século XXI e XXII. Assim como o lítio há 20 e 30 anos”. E encerrou sua intervenção afirmando categoricamente: “As terras raras têm que ser exploradas e o naranjillo as mata. Assim não podemos avançar”.
As terras raras no Brasil
A Aclara Resources é uma empresa de propriedade majoritária do Grupo Hochschild e cotada na Bolsa de Toronto. Atualmente, a empresa não gera receitas e concentra-se em dois projetos em fase de desenvolvimento, no Chile (Módulo Penco) e no Brasil, e prevê começar a explorar jazidas de argila em ambos os países em 2028.
O Brasil possui cerca de 23% das reservas mundiais de terras raras, atrás apenas da China, de acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos. “O Brasil é nossa única esperança”, afirmou Jack Lifton, copresidente do Instituto de Minerais Críticos. “Sem as terras raras pesadas do Brasil, não podemos fabricar os ímãs que alimentam tudo, desde veículos elétricos até aviões de combate. É simples assim”.
Em abril de 2025, a Aclara anunciou o início das operações de sua planta- piloto na cidade de Aparecida de Goiânia, o primeiro passo do projeto Carina no Brasil. A planta-piloto recebeu um investimento de mais de R$ 30 milhões (US$ 5,3 milhões) e processará 500 toneladas de argilas iônicas por meio do processo patenteado de extração circular de minerais, o mesmo da Módulo Penco no Chile.
No Brasil, as principais fronteiras de desenvolvimento de terras raras estão nos estados de Goiás, Minas Gerais e partes do estado da Bahia. Ainda em fase inicial estão projetos como Caldeira, da australiana Meteoric Resources; Colossus, da australiana Viridis Mining; e Araxá, da empresa de exploração St. George Mining (listada na bolsa da Austrália), além do projeto liderado pela Aclara. Por enquanto, há apenas um projeto em operação, localizado no estado de Goiás e de propriedade da Mineração Serra Verde.
Já existem preocupações com os impactos socioambientais desses projetos. A comunidade local na cidade de Caldas, Minas Gerais, levantou sua oposição ao projeto de mineração liderado pela empresa Meteoric Caldeira Minerao Ltda. Como diz Ana Paula Lemes de Souza, “enquanto as terras raras são vendidas como solução para a energia e a transição tecnológica, sua extração em Caldas ameaça justamente os elementos mais vitais: a água, o solo e o ar. A questão paira no ar como um aviso: não há futuro verde que justifique o ecocídio”.